domingo, 5 de agosto de 2007

cheiro de tomilho



Na mesma noite, Alvelina saiu de sua cidade e chegou a outra. Outro Estado, outro estado de espírito, não tão santo quanto àquele em que vivia. O lugar era frio como um inverno constante, e as bebidas típicas eram feitas com a água pura que descia das cachoeiras. Lá se hospedou na casa do primo distante do lendário Obelix, o nem tão grande assim, Chamonix. A casinha era pequena, como se tivesse saído de uma história infantil, daquelas que acontecem no meio das florestas. Os móveis eram de madeira maciça e havia buracos nas janelas e maçanetas em forma de coração.

Estava reservado para Alvelina o quarto 314, a penúltima porta no final do corredor. Deitou-se coberta por uma manta tão peluda quanto um urso e esperou a chegada de Eugênio. No cair da noite, ele chegou.

O silêncio não incomodava. Aliás, era costume, pois Eugênio não era mesmo de muitas palavras - faladas. Eugênio era da família Andrade e viajava muito a trabalho. Desde que era toquinho, vendo o tio trabalhar nas apresentações da cidade, aprendeu a ligar microfones e caixas de som. Aos 14, saiu da barra do vestido de dona Dione para o distrito de São João dos Calçados em busca do primeiro trabalho. E, ao longo dos anos, todas as horas que passou a ver estradas, noites e o azul escuro fizeram com que falasse menos. De quando acordava até o meio dia, só proferia um bom dia, Alvinha antes de tomar meia xícara de café amargo.

Às nove da manhã, as borboletas tigradas dançavam balé russo de um lado para o outro, quando Alvelina e Eugênio partiram para a próxima cidade. A caravana do circo Havengar passaria às oito e quarenta e cinco da noite. Descendo a serra, as árvores respirando, a poeira levitando, as formigas passeando e a senhora na janela pensando eram sensíveis aos ouvidos:

- Aparentemente este ano não preciso podar o tomilho. Todo dia vejo pela janela uns pardais arrancando raminhos de tomilho. Vai ficar uma casinha tão perfumada!


6 comentários:

Anônimo disse...

amei as descrições do texto.
e que venham mais momentos "bunda de fora" rsss

Josely Bittencourt disse...

Ei Lili!
Fico satisfeita por sua visita. É muito bom perceber q ligações tão legais tem como efeito outras tb tão interessantes.

E entre os passarinho q arrancam os raminhos de tomilho tb perfumo minha "casinha" passeando como agora. E dessa janela q capta a luz deixo a impressão à tua janela o q do pensamento represento aqui.

beijos e apareça sempre!rs

Miguel Marvilla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel Marvilla disse...

Vc diz que eu não venho aqui, mas eu venho. E muito. Só que sou como o Eugênio: poucas palavras faladas. Mas agora mudei de idéia.

Toma, então: adoro esse seu deliciar-se em descrições quase fotográficas, como a afirmar que, não, suas bestas, palavra não é inimiga de imagem. Palavra é imagem também. Uma não exclui a outra — como poderia?

Tem algo em vc que te deixa com medo. Vc não entra no que escreve: vc descreve. Talvez a máscara do artista, por trás da qual estamos autorizados a fazer, dizer, pensar, ser o que bem entendermos... É medo de se expor? Ou se expõe apenas aos que te souberem ler? "Deixa que minha mão errante adentre / atrás, na frente, em cima, embaixo, entre, / [...] feliz de quem penetre os teus mistérios. [...] Feito uma encadernação vistosa / feita para iletrados, / a mulher se enfeita. / Mas ela é um livro místico e somente / a alguns, a que tal graça se consente / é dado lê-la." Conhece isso, né? É John Donne, falando lá do séc. XVI/XVII, trazido ao português por Haroldo de Campos. Mas cabe aqui, né? Boa poesia fits qualquer época.

Fora isso de se esconder, que todos nos escondemos um pouco (ninguém é assim tão crystal-clear), tem um quê do Joyce de Dubliners nos seus escritos. Isso de largar a narrativa principal pra lá e fixar-se no pensamento marginal ou na ação de quem não tinha nada a ver com o que estava acontecendo, deixando o mundo, como deve ser, correr para todos os lados, é bem a cara de Joyce.

Ixi!, mas chega desse papo mezzo teórico, mezzo calabresa. Nem é a minha praia favorita nem vai te acrescentar nada. No fundo, no fundo, o que vale é que eu gosto pra dedéu do que vc escreve e gosto mais ainda quando a gente deixa a segurança dos bits e bytes e se torna humano de novo e fala, gesticula, anda pela praia, ouve música, faz o tempo andar rápido pra chegar outro verão, outro carnaval, outros sóis de Barra Seca. Quem seremos então?

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Essa participação aqui bastou? Foi bom pra vc? (Dimitra Galani cantando "To traino" em surdina)

Lili Cheibub disse...

Você tem um pouco de razão; gosto de me esconder. Mas também tem um pouco de exercitar. Cansei de escrever crônicas na primeira pessoa. O que vão pensar? Nossa, essa menina vive cada coisa... ou "ela é um ímã de maluco!"

Agora estou nessa fase 'pegando no tranco' e achei que escrever contos, tendo a possibilidade de criar e inventar, seria bom para o momento. E está sendo. Estou feliz. Ainda é um recomeço, pequenino, mas me deixa feliz poder transcrever para o papel tantas idéias e percepções que antes esvaiam-se.

bom retomar o contato contigo.

beijo!

Miguel Marvilla disse...

O contato depende mais de vc, né? Eu adoro...

Beijo.