quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

céu do norte

uma imensidão que guia os pontos cardeais
grande lençol azul estendido
pregadores de nuvens e
ventos para secar emoções
seu sobrenome dá vida à bússola
e guia a alma da humanidade
se o homem segue mesmo os chamados
dessa tela em branco; pois sim, devem ser brancas e alvas
e por serem dessa cor, virgens, querem traços e pigmentos
esse colorido é a existência mutante, é o que anda
são nossos passos embaixo, pés que caminham
aliás, é só o que deveriam fazer
e nosso guia preso ao corpo
a cabeça está sempre dentro
do céu do norte
o céu que alguém já cantou
e que eu queria olhar hoje.
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

a filha do canibal - parte 2

"às vezes sou tomada pela intuição da profundidade, pela sensação de que somos mais do que o mero momento presente e do que a carne efêmera. dessa visão singular, que assalta você nos momentos mais absurdos (enquanto você torra uma fatia de pão para o desjejum, enquanto espera na fila para pagar os impostos municipais), os iluminados de todas as épocas extraíram o impulso necessário para inventar suas religiões. como sou incrédula, para mim essa emoção do Além se confunde com um desejo de beleza, tão agudo e concreto quanto o ataque de fome de um bulímico. estou falando de coisas vulgares e cotidianas, pois o que pode haver de mais trivial e rasteiro do que esse afã de ser e não morrer? não deve ter existido um único ser humano, desde o início dos tempos, que não experimentasse alguma vez essa miragem de formosura, essa necessidade de permanência. até os idiotas têm inquietações transcedentes e em algum momento aspiram à eternidade. a metafísica é a mais comum das paixões rasas."


Trecho do livro A Filha do Canibal, da espanhola Rosa Montero.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

a filha do canibal - parte 1

"(...) na realidade, isso é o que fazemos todos, reordenar e reinventar constantemente nosso passado, a narração de nossa biografia. Alguns crêem que a música é a arte mais básica e que, desde o princípio dos tempos e a primeira caverna habitada pelo ser humano, houve uma criatura que bateu palmas ou golpeou duas pedras uma contra a outra para criar ritmo. Mas estou convencida de que a arte primordial é a arte narrativa, porque, para poder ser, nós humanos temos previamente de contar. A identidade não é mais que o relato que nós nos fazemos de nós mesmos."



Trecho do livro A Filha do Canibal, da espanhola Rosa Montero.