sábado, 25 de agosto de 2007

pausa para Adélia

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Objeto de amor

De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem a sensação de um roubo:
cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.
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(Adélia Prado)

terça-feira, 21 de agosto de 2007

três minutos e vinte e seis segundos de rebeldia


no pé tenho uma estrela torta e nas costas notas musicais: tatuagens do tempo; da liberdade falsamente proclamada. ganhei uma mancha eterna - que espera que eu enfrente a dor e cuide dela. marcas de uma história sobressaem. carrego uma exposição de lembranças, com saudades... com a intenção de ganhar a batalha contra o esquecimento, deixei que agulhas me picassem, e que debaixo da pele escrevessem linhas. a cor preta desbota, o sol não a poupa: mesmo não me escondendo da luz para evitar o envelhecimento, quero ficar assim, jovem. quero morrer sonhadora. eternamente louca, inutilmente revolucionária.

políticos usam mentiras para encobrir a verdade, artistas usam mentiras para contá-la. dêem-me uma máscara e lhes direi.
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sexta-feira, 10 de agosto de 2007

carta de Freeda para um hermitão



com a tarde

cansaram as duas ou três cores da colcha

esta noite, a lua, o claro círculo,

não domina o seu espaço.

pátio, céu canalizado

o pátio é o declive

pelo qual se derrama o céu na casa.

serena

a eternidade espera na encruzilhada de estrelas

grato é viver na amizade escura

de um saguão, de uma parreira.

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domingo, 5 de agosto de 2007

cheiro de tomilho



Na mesma noite, Alvelina saiu de sua cidade e chegou a outra. Outro Estado, outro estado de espírito, não tão santo quanto àquele em que vivia. O lugar era frio como um inverno constante, e as bebidas típicas eram feitas com a água pura que descia das cachoeiras. Lá se hospedou na casa do primo distante do lendário Obelix, o nem tão grande assim, Chamonix. A casinha era pequena, como se tivesse saído de uma história infantil, daquelas que acontecem no meio das florestas. Os móveis eram de madeira maciça e havia buracos nas janelas e maçanetas em forma de coração.

Estava reservado para Alvelina o quarto 314, a penúltima porta no final do corredor. Deitou-se coberta por uma manta tão peluda quanto um urso e esperou a chegada de Eugênio. No cair da noite, ele chegou.

O silêncio não incomodava. Aliás, era costume, pois Eugênio não era mesmo de muitas palavras - faladas. Eugênio era da família Andrade e viajava muito a trabalho. Desde que era toquinho, vendo o tio trabalhar nas apresentações da cidade, aprendeu a ligar microfones e caixas de som. Aos 14, saiu da barra do vestido de dona Dione para o distrito de São João dos Calçados em busca do primeiro trabalho. E, ao longo dos anos, todas as horas que passou a ver estradas, noites e o azul escuro fizeram com que falasse menos. De quando acordava até o meio dia, só proferia um bom dia, Alvinha antes de tomar meia xícara de café amargo.

Às nove da manhã, as borboletas tigradas dançavam balé russo de um lado para o outro, quando Alvelina e Eugênio partiram para a próxima cidade. A caravana do circo Havengar passaria às oito e quarenta e cinco da noite. Descendo a serra, as árvores respirando, a poeira levitando, as formigas passeando e a senhora na janela pensando eram sensíveis aos ouvidos:

- Aparentemente este ano não preciso podar o tomilho. Todo dia vejo pela janela uns pardais arrancando raminhos de tomilho. Vai ficar uma casinha tão perfumada!