terça-feira, 16 de junho de 2009

poema "V"

.


que ideia tenho eu das cousas?
que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
que tenho eu meditado sobre deus e a alma e sobre a criação do mundo? não sei.

para mim pensar nisso é fechar os olhos e não pensar.
é correr as cortinas da minha janela (mas ela não tem cortinas). o mistério das cousas? sei lá o que é mistério!

o único mistério é haver quem pense no mistério. quem está ao sol e fecha os olhos, começa a não saber o que é o sol e a pensar muitas cousas cheias de calor. mas abre os olhos e vê o sol, e já não pode pensar em nada.

porque a luz do sol vale mais que os pensamentos de todos os filósofos e de todos os poetas. a luz do sol não sabe o que faz e por isso não erra e é comum e boa.

se deus é as flores e as árvores e os montes e sol e o luar, então acredito nele, então acredito nele a toda a hora, e a minha vida é toda uma oração e uma missa e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

mas se deus é as árvores e as flores e os montes e o luar e o sol, para que lhe chamo eu deus?

chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
porque, se ele se fez, para eu o ver,
sol e luar e flores e árvores e montes,
se ele me aparece como sendo árvores e montes
e luar e sol e flores, é que ele quer que eu o conheça
como árvores e montes e flores e luar e sol.

e por isso eu obedeço-lhe,
(que mais sei eu de deus que deus de si próprio?),

obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
como quem abre os olhos e vê,
e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,

e amo-o sem pensar nele,
e penso-o vendo e ouvindo,
e ando com ele a toda a hora.




"o guardador de rebanhos"
alberto caeiro

Nenhum comentário: