segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

a filha do canibal - parte 2

"às vezes sou tomada pela intuição da profundidade, pela sensação de que somos mais do que o mero momento presente e do que a carne efêmera. dessa visão singular, que assalta você nos momentos mais absurdos (enquanto você torra uma fatia de pão para o desjejum, enquanto espera na fila para pagar os impostos municipais), os iluminados de todas as épocas extraíram o impulso necessário para inventar suas religiões. como sou incrédula, para mim essa emoção do Além se confunde com um desejo de beleza, tão agudo e concreto quanto o ataque de fome de um bulímico. estou falando de coisas vulgares e cotidianas, pois o que pode haver de mais trivial e rasteiro do que esse afã de ser e não morrer? não deve ter existido um único ser humano, desde o início dos tempos, que não experimentasse alguma vez essa miragem de formosura, essa necessidade de permanência. até os idiotas têm inquietações transcedentes e em algum momento aspiram à eternidade. a metafísica é a mais comum das paixões rasas."


Trecho do livro A Filha do Canibal, da espanhola Rosa Montero.


Nenhum comentário: